Você tem voz

Em entrevista, a otorrinolaringologista Thaís Pinheiro fala sobre cuidados com as cordas vocais e a laringe.
16/04/2024 16h13


Delicadas, as pregas vocais precisam de algum cuidado para atravessarem a vida trabalhando incansavelmente na tarefa de produzir sons. Nessa entrevista, a presidente da Associação de otorrinolaringologia do Distrito Federal, Thaís Pinheiro, explica como a voz e a laringe funcionam para garantir a função que mais nos distingue dos outros animais: a fala.

SIS – O que são as cordas vocais e como funcionam?

Dra. Thaís – Cordas vocais na verdade são as duas pregas que fazem parte de um órgão chamado laringe, localizado na garganta. Elas são responsáveis pela emissão da voz. Funciona assim: quando a pessoa inspira, ela enche os pulmões de ar. Ao ser exalado de volta para o ambiente, o ar passa pelas duas pregas vocais, que vibram, produzindo o som e a voz. Esse som é modificado através da articulação da boca e da ressonância da nossa caixa de som natural, a face.

SIS– O que faz com que cada pessoa tenha um timbre único?

Dra. Thaís – Durante a passagem desse som pela boca, língua, seios da face e outras estruturas da garganta o som produzido pelas pregas vocais é modificado, na fala e no canto, por exemplo. O timbre é uma marca pessoal, tanto que é possível reconhecer alguém pela voz, assim como a gente reconhece o som de violino ou de piano. A voz é uma característica individual e as pregas vocais são parte da engrenagem que produz o seu timbre. 

SIS – É comum uma pessoa ficar com o timbre alterado?

Dra. Thaís – Alterações na prega vocal podem alterar o timbre. Uma pessoa que fuma, por exemplo, tem inchaço e modificação das estruturas das cordas vocais. Além disso, existe a modificação natural da estrutura das cordas com o crescimento e o envelhecimento, trazendo mudanças no timbre. Mas não é só isso: lesões na garganta e algumas doenças também impactam na voz.

SIS – Profissionais da voz são mais afetados por problemas de laringe?

Dra. Thaís – Para aqueles que usam a voz de maneira crônica, como professores, cantores, radialistas, entre outros, é imprescindível que esse uso seja feito de maneira correta para não desenvolver calos, pólipos e outras lesões fonotraumáticas nas pregas vocais. Exemplo: evitar falar alterando o timbre e num volume mais alto, por exemplo, na sala de aula. Perder a voz não é raro. Pelo menos uma vez na vida os adultos já ficaram sem voz, seja por causa de uma infecção, gripe, resfriado, inflamação nas pregas vocais.

SIS – E como a laringe dá sinais de quando algo não vai bem?

Dra. Thaís – Rouquidão por um prazo maior que 14 dias deve ser sempre avaliada e investigada com exame endoscópico da laringe para se saber a causa. Além disso, dificuldade para engolir, engasgos constantes, sensação de entalo, dor de garganta persistente, tosses e pigarros frequentes, sensação de muco preso na garganta, caroço no pescoço são sinais de alteração na laringe.

SIS – O refluxo gástrico também é um irritante natural da garganta, não é?

Dra. Thaís – Sim, na verdade o refluxo gastroesofágico ganha o nome de refluxo faringolaríngeo quando sobe além do esôfago e começa a atingir a região da laringe. Esse refluxo pode agravar os problemas vocais e até se tornar um fator de risco de lesões, inclusive malignas.

SIS – Por falar em lesões malignas, quais outros fatores de risco para o câncer de garganta?

Dra. Thaís – A garganta tem duas regiões principais: a faringe e a laringe. Para a laringe o maior risco de câncer é o fumo, seguido de bebida alcóolica. A ingestão de bebida alcóolica com o fumo potencializa em muito esse risco. Outros são a exposição a pó da madeira e de cimento, solventes, produtos usados em agricultura e criação de animais e mineração de carvão. Também está sendo estudada a correlação do HPV com o câncer de laringe, sendo que esse já é um fator de risco conhecido para o câncer da faringe, a outra região da garganta.

SIS – O mesmo que pode provocar o câncer do colo do útero?

Dra. Thaís – Ele mesmo, que também provoca um tipo específico de verrugas na pele. Apesar de precisarmos de mais estudos científicos, vários órgãos governamentais, inclusive o Instituto Nacional do Câncer (Inca), já reconhecem a infecção pelo vírus HPV como fator de risco de câncer na garganta.  Na laringe essa infecção do HPV ganha o nome de papilomatose laríngea e  em 99% das vezes é benigna, mas 1% dos pacientes com papilomatose evoluem para o quadro de câncer. Porém, o câncer pode aparecer também em pessoas que nunca desenvolveram as lesões papilomatosas.